29 maio 2013

Pai, faltou Luz!



 *Rogério Silva
E era uma delícia. Todos nós íamos para a varanda e conversávamos sem parar, contávamos histórias e ríamos muito. Demorava a acender tudo de novo. Pelo menos uma vez por mês era certo termos um blecaute na cidade. Na rotina da luz elétrica, era cada um para seu lado. No único Telefunken de vinte e tantas polegadas, tinha uma tela de plástico ou acrílico pregada na frente com 3 faixas verticais coloridas: Verde, vermelha e azul. Para nós, isso dava cores ao aparelho preto e branco. A minha irmã adorava os episódios de “Jeannie é um Gênio” e “A Feiticeira”. Eu era vidrado no “Robô Gigante”. A minha mãe, claro, acompanhava capítulo por capítulo de “Anjo Mau”. E meu pai, bom, para meu pai, sobrava a tv somente na hora do almoço. Era ali que ele sabia dos gols da rodada e se o Vasquinho dele tinha se saído bem ou não nos pés do Roberto Dinamite.

A televisão hipnotizava a todos e nos roubava a atenção. Mas sem energia elétrica em casa e sob a luz de velas, nos restava a companhia um do outro. Era momento de lembrar dos trejeitos engraçados da tia que morava na cidadezinha natal da minha avó, do meu pai contar os casos mais esdrúxulos que nós apenas fingíamos acreditar e da minha mãe colocar a cabeça da gente no colo dela e dar conselhos: “Não briguem tanto, vocês são irmãos”. E aí a gente fazia um pacto, selava a paz que durava no máximo 1 dia.

Na casa da frente em nossa rua, tinha Seu Naná das garrafas, que ficava na porta esperando a luz voltar. Na casa ao lado, a mulher rabugenta que nunca aprendemos o nome também vinha à porta e até ficava mais simpática. Tinha os meninos do futebol, filhos da pianista, e também a turma do Balança Mas Não Cai, um edifício de 3 andares antiquíssimo da esquina.

Lá se vão mais de 35 anos, mas a memória é ainda muito fresca. Luz elétrica era o máximo de tecnologia que havia no nosso interiorzinho da década de 70. E sem ela, voltávamos a ser pessoas rudimentares que tinham que se virar com o que havia. E o que havia erámos nós mesmos.

Com o passar dos anos, as coisas foram ficando mais fáceis, vieram a tv em cores, os primeiros videogames, os computadores, celulares e toda a tranqueira que conhecemos nos dias atuais. A tv da sala passou a ser mais enfeite e sinal de status. Em cada quarto, cada um tem a sua tv. Mas isso nem é mais relevante. Quase nunca falta luz. Hoje, o apagão é outro.

Todo mundo vive conectado o tempo inteiro. Numa mesa de 4 pessoas num restaurante tem mais 4, mais 16 plugadas na conversa em outros lugares do mundo. Chegar em casa e encontrar esposa, filho e empregada confinados em seus universos digitais é mais comum do que se pensa. E quando vai acontecer de novo aquele momento em que a luz ia embora? 

Bom, aconteceu!

Na última segunda, a companhia que detém mais de 90% dos serviços de internet no Triângulo Mineiro saiu do ar por quase 12 horas. Nada de navegação no site favorito, nada de e-mails importantíssimos para mandar ou receber, nada de redes sociais para postar fotos, fofocas, piadas, lições de moral, mensagens de fé. 

Confesso que foi um dia diferente. Em algumas empresas, a pane fez funcionários irem pra casa mais cedo, reuniões foram adiadas e certamente, várias famílias se reuniram na sala para jogar conversa fora, falar bobagens, reparar no novo corte de cabelo da esposa e, até, para ver televisão. 
Quanta ironia!


(*) Rogério Silva tem 41 anos, é jornalista e administrador de empresas. Tem MBA em Gestão Executiva e Empreendedora, com extensão em liderança. Desde 2007 dirige as áreas de infraestrutura midiática e jornalismo da Rádio Educadora Jovem Pan e TV Paranaíba/Record, em Uberlândia, Minas Gerais - Colunista Semanal  do Blog  www.administrandohoje.blogspot.com.br